domingo, 8 de agosto de 2010

DIA DOS PAIS NO PAÍS DO FUTEBOL


Meu pai, assim como eu e milhões de brasileiros quis ser jogador de futebol. Eu era bem pequeno, início dos anos 70. Em frente ao prédio em que tínhamos apartamento, em Praia Grande, litoral de São Paulo, havia uma praça, hoje conhecida como "Praça das Cabeças" (foto ao lado). A praça não tinha bancos, jardim, coreto ou chafariz. No lugar deles, mato e duas traves de futebol. Da calçada, morrendo de vontade de estar entre eles, vi meu pai driblar, marcar gols e deixar seus companheiros de time na cara do gol. Por isso, e só por isso, tenho certeza que ele teria sido um craque. Nascido em 1935, ele poderia ter feito tabelinhas com Luizinho "o Pequeno Polegar", aproveitado os cruzamentos de seu maior ídolo, Cláudio Cristóvam de Pinho e mergulhado de peixinho para fazer um gol contra o Palmeiras. Teria ajudado Idário, o valente lateral-direito corintiano a enfrentar Canhoteiro, do São Paulo e Rodrigues Tatu, do Verdão. Cruzaria todo o campo para dar um abração em Gylmar dos Santos Neves, o maior goleiro que ele viu jogar, para comemorar um gol. Tal qual um Quixote, duelaria contra Bauer, Rui e Noronha para ver o seu Corinthians derrotar o temível São Paulo. Dificilmente ele conseguiria vestir outro uniforme que não fosse aquela camisa branca e aquele calção preto do time de Parque São Jorge. Não, meu pai não seria o profissional que troca de time a cada ano. Seria fiel. Seu amor pelo Corinthians talvez fosse capaz, até, de reduzir os longos anos em que o Santos de Pelé fez "gato e sapato" do Timão. Fico até sem jeito, nesse dia dos pais, por reconhecer que nunca conseguirei lhe dar um presente tão precioso quanto ele me deu: o amor pelo futebol. As noites em que chegava cansado do trabalho e não media esforços para me levar ao Pacaembu, em meados dos anos 70. Chegávamos 15 minutos antes do início da partida, comprávamos o ingresso sem quaisquer atribulações e acelerávamos as batidas de nossos corações no compasso dos surdos de nossa torcida. Meu pai, que estacionava o carro na Praça Charles Miller, sempre parava na mesma barraca do sanduíche de calabresa com cebola. Saboreava com um copo de guaraná. Eu, na "curvinha" do Pacaembu, naqueles bancos cor-de-laranja de madeira, esperava pelo vendedor de cachorro-quente.
- "Com mostarda, por favor!", meu pai pedia ao vendedor para que me servisse.
Um cone de papel azul com listras brancas guardava um punhado de amendoim torrado e salgado, que eu comia sem parar. Tomava suco de laranja, marca "Dico". A sobremesa era um picolé de chocolate. Reconheço hoje, tantos anos depois, ao lembrar o dia 22 de dezembro de 1974, o momento que me deu a exata noção do amor do meu pai pelo Corinthians. Naquele começo de noite, estávamos em casa, amargando 20 anos sem conquistar um título. Vimos o Palmeiras derrotar o Corinthians na final do campeonato paulista. Era hora da "janta", como a gente dizia. Minha mãe havia feito um ravioli caprichado, com um molho de tomate encorpado que só ela sabe fazer. Lembro de uma lágrima minha caindo sobre aquele prato de massa gostosa, nadando naquele denso molho e coberto por parmesão ralado. Ralado grosso, como deve ser um bom parmesão que cobre uma pasta. Meu pai não comeu. Subiu calado para o quarto. Queria ficar sozinho. Um pouco depois eu subi os degraus do sobradinho para vê-lo. A porta do seu quarto estava fechada. Trancada à chave. No auge dos meus oito anos tentei observá-lo pelo buraco da fechadura, mas não o avistei. Em silêncio ouvi seu choro. Eu nunca tinha ouvido meu pai chorar. É verdade que depois meu pai teve muitas alegrias com o Corinthians. Foram tantos títulos que dá até para perder a conta. Mas se eu pudesse pedir só uma coisinha pra Deus nesse dia dos pais, pediria pra ser o goleiro Buttice, naquele 22 de dezembro de 1974. O goleiro do Corinthians que chegou a tocar na bola chutada pelo centroavante alviverde Ronaldo. Pai, eu defenderia aquela bola. Só pra não tê-lo ouvido chorar.

MARCOS JÚNIOR - Jornalista e Conlunista do site do Milton Neves

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